Isabel Pires
— Alô, senhora? Estou fazendo uma pesquisa para a Revista Y
e gostaria de contar com a sua colaboração, tudo bem? O assunto é sexologia, e
tenho algumas perguntas para fazer.
— Pesquisa para a Revista Y por telefone? O senhor vai me
desculpar, mas que eu saiba a Revista Y não faz pesquisa por telefone. Tem
graça!
— Prefere pessoalmente, senhora?
— O quê?! Que desaforo!
Clic.
A senhora, uma mãe-de-família extremamente séria, voltou à
sua ocupação: exterminar baratas.
— Tem mesmo gente à toa no mundo, o senhor não acha?
O exterminador de baratas concordou com a cabeça, e também
voltou ao ponto em que parara, antes de ser bruscamente interrompido por aquele
telefonema fora de propósito.
— A senhora veja, como eu ia dizendo, estou nessa
profissão, mas não sou talhado para ela. Não gosto do que faço.
A mulher fez cara de surpresa, como se não gostar de matar
baratas fosse algo muito incompatível com um matador profissional de baratas,
ou como se todo mundo, incondicionalmente, devesse gostar do que fazia, de modo
que o homem foi levado a se justificar:
— Baratas são cegas, disse ele, e o seu peito arfava,
entrecortado por soluços surdos. Estou nessa porque preciso, mas não gosto de
matar as coitadinhas...
— Entendo... O senhor quer um copo d´água?, perguntou a mulher,
compadecendo-se do homem.
Reparando bem, não parecia mesmo veneno para baratas o
rastro molhado que o homem deixava no ladrilho da cozinha e da área de serviço,
mas o seu próprio sangue, liquefeito em lágrimas, numa mistura composta de
doses iguais de amor e ódio às baratas. No entanto, a mulher, dona-de-casa
zelosa e obstinada, seguiu firme mostrando as fendas obscuras e os recantos
ocultos – presumíveis moradias das francesinhas.
Terminada a dedetização – fato banal e, ao mesmo tempo,
ritual sagrado dos afazeres domésticos – e descartando-se do homem com alguma
gorjeta, ela ainda encontrou tempo para reunir o casal de filhos adolescentes:
— Escutem: se alguém ligar dizendo que está fazendo
pesquisa sobre sexologia por telefone, desliguem, combinado? Isso deve ser um
trote de mau gosto, no mínimo.
— E no máximo?, quis saber o garoto de dezessete anos.
— É perigoso, né, gente? Na cidade em que a gente vive, do
jeito que está o mundo. Não atendam ninguém, ouviram?
Pela manhã, o assoalho completamente asséptico, sem o menor
vestígio de baratas, a mãe extremosa e preocupada saiu, com a sensação, na rua,
de que os bem-te-vis cantavam para ela, e pensando se os filhos a haviam
compreendido. Do trabalho, no outro lado da cidade, mandou o boy do escritório ligar para sua filha,
dando-lhe instruções sobre o que dizer quando a garota atendesse.
— Bom dia, jovem. Estou fazendo uma pesquisa sexológica por
telefone e gostaria de contar com a sua opinião...
De tpm e com uma prova de geometria pela frente, a garota
bateu o telefone na cara do boy, e sua mãe pode perceber o quanto andava
sem educação aquela menina.
Horas depois a mulher chamou a estagiária recém-contratada e instruiu-a a
ligar para o filho, abordando-o sobre a tal pesquisa:
— Boa tarde,
estou fazendo...
O rapaz havia
acabado de chegar da escola. Estava suado, faminto e com sono, não tinha ido
bem na prova de química e, na volta da aula, ainda entrara numa discussão
interminável e sem sentido com um colega sobre trilha sonora de novela de tevê.
Marcou um encontro no umbigo da cidade, entre monumentos mortos de homens e
cavalos, com a moça da pesquisa sobre sexo. E foi assim que a mãe extremada
tornou-se sogra de G. H., de cujo ventre ela viu nascer um barco a vela, dois
arco-íris geminados, incontáveis pores-de-sol, um farol, uma estrela do mar, um
ouriço, alguns carneirinhos embalados para presente e o gato persa de olhos amarelos.
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