sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

Ou isto é uma coisa?


Isabel Pires

— Alô, senhora? Estou fazendo uma pesquisa para a Revista Y e gostaria de contar com a sua colaboração, tudo bem? O assunto é sexologia, e tenho algumas perguntas para fazer.
— Pesquisa para a Revista Y por telefone? O senhor vai me desculpar, mas que eu saiba a Revista Y não faz pesquisa por telefone. Tem graça!
— Prefere pessoalmente, senhora?
— O quê?! Que desaforo!
Clic.
A senhora, uma mãe-de-família extremamente séria, voltou à sua ocupação: exterminar baratas.
— Tem mesmo gente à toa no mundo, o senhor não acha?
O exterminador de baratas concordou com a cabeça, e também voltou ao ponto em que parara, antes de ser bruscamente interrompido por aquele telefonema fora de propósito.
— A senhora veja, como eu ia dizendo, estou nessa profissão, mas não sou talhado para ela. Não gosto do que faço.
A mulher fez cara de surpresa, como se não gostar de matar baratas fosse algo muito incompatível com um matador profissional de baratas, ou como se todo mundo, incondicionalmente, devesse gostar do que fazia, de modo que o homem foi levado a se justificar:
— Baratas são cegas, disse ele, e o seu peito arfava, entrecortado por soluços surdos. Estou nessa porque preciso, mas não gosto de matar as coitadinhas...
— Entendo... O senhor quer um copo d´água?, perguntou a mulher, compadecendo-se do homem.
Reparando bem, não parecia mesmo veneno para baratas o rastro molhado que o homem deixava no ladrilho da cozinha e da área de serviço, mas o seu próprio sangue, liquefeito em lágrimas, numa mistura composta de doses iguais de amor e ódio às baratas. No entanto, a mulher, dona-de-casa zelosa e obstinada, seguiu firme mostrando as fendas obscuras e os recantos ocultos – presumíveis moradias das francesinhas.
Terminada a dedetização – fato banal e, ao mesmo tempo, ritual sagrado dos afazeres domésticos – e descartando-se do homem com alguma gorjeta, ela ainda encontrou tempo para reunir o casal de filhos adolescentes:
— Escutem: se alguém ligar dizendo que está fazendo pesquisa sobre sexologia por telefone, desliguem, combinado? Isso deve ser um trote de mau gosto, no mínimo.
— E no máximo?, quis saber o garoto de dezessete anos.
— É perigoso, né, gente? Na cidade em que a gente vive, do jeito que está o mundo. Não atendam ninguém, ouviram?
Pela manhã, o assoalho completamente asséptico, sem o menor vestígio de baratas, a mãe extremosa e preocupada saiu, com a sensação, na rua, de que os bem-te-vis cantavam para ela, e pensando se os filhos a haviam compreendido. Do trabalho, no outro lado da cidade, mandou o boy do escritório ligar para sua filha, dando-lhe instruções sobre o que dizer quando a garota atendesse.
— Bom dia, jovem. Estou fazendo uma pesquisa sexológica por telefone e gostaria de contar com a sua opinião...
De tpm e com uma prova de geometria pela frente, a garota bateu o telefone na cara do boy, e sua mãe pode perceber o quanto andava sem educação aquela menina.
Horas depois a mulher chamou a estagiária recém-contratada e instruiu-a a ligar para o filho, abordando-o sobre a tal pesquisa:
— Boa tarde, estou fazendo...
O rapaz havia acabado de chegar da escola. Estava suado, faminto e com sono, não tinha ido bem na prova de química e, na volta da aula, ainda entrara numa discussão interminável e sem sentido com um colega sobre trilha sonora de novela de tevê. Marcou um encontro no umbigo da cidade, entre monumentos mortos de homens e cavalos, com a moça da pesquisa sobre sexo. E foi assim que a mãe extremada tornou-se sogra de G. H., de cujo ventre ela viu nascer um barco a vela, dois arco-íris geminados, incontáveis pores-de-sol, um farol, uma estrela do mar, um ouriço, alguns carneirinhos embalados para presente e o gato persa de olhos amarelos.



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