Isabel Pires
Um gosto de sal na pele,
areia no cabelo. Banho de torneira no quintal. Voltar da praia cansada e deitar
no chão, vendo tevê. Fechando os olhos, podia sentir ainda o doce marulhar das
ondas, pra baixo, pra cima. Pé no chão, short, cabelo molhado. No meio da rua.
Pé sangra, corte fundo, no caco de garrafa atirado por alguém (falta de
educação) na rua. Esparadrapo e algodão. Curativo enorme, tomando quase o pé
inteiro. Que peninha. E exibia vitoriosa o pé machucado.
Havia dois coqueiros em
frente da casa. Não exatamente na rua, nem no jardim, mas no jardim da casa em
frente, cobertos até a metade pelo muro que a cercava. A avó na janela do
quarto, ouvindo mais o farfalhar do vento nas palhas dos coqueiros, do que
vendo-os propriamente. A avó com catarata. A avó sempre na janela do quarto,
cantando canções de outro tempo e ouvindo o coqueiro. Ouviria estrelas? Às
vezes, no meio do sono, vinha a imagem, sempre a mesma: os coqueiros desabando
sobre a casa em frente, esmagando o pintor e sua estranha mulher, que vivia com
um lenço molhado atado à testa, matando até o cachorro perdigueiro de focinho
cor-de-rosa. Acordava soluçando, suada. Bebia sôfrega a água que a avó trazia.
O gato Dengoso, mistura
de angorá com uma raça indefinível. A avó sempre criara gatos. Por que a avó
não gostava de cachorros? Dengoso brincava com Pantera, a gata da casa vizinha.
Era uma pequena gata amarela, espantadiça, arredia e selvagem. Caçava
borboletas no jardim com uma precisão incrível. Saltava de pata aberta, unhas
arreganhadas, certeira na vítima.
O pé de mamão-da-Índia no
terreiro da casa. Um dia, de tão carregado, o pé de mamão quebrou, e rolou
mamão verde pra todo lado, no cimento do terreiro. Dos maiores, a avó fez doce.
Dos talos das folhas, foram feitos canudos para soprar bolhas de sabão, na
porta da casa. Competição para ver quem soprava a bolha maior, sem arrebentar.
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