sexta-feira, 13 de setembro de 2024

O pagode

 Isabel Pires

 

Dizia que sim, que sim! E sabia perfeitamente que estava mentindo.

— Comprei umas terrinhas. Quero plantar e colher. Não é muita terra, mas é terra boa. É lá onde meu filho vai crescer e tomar banho de rio.

Ela ouvia, olhando longe.

— Você vai lá conhecer, não vai?, perguntou ele, e como ela não respondesse, ele a forçou a olhá-lo, segurando a cabeça dela com ambas as mãos, e sem mais perguntar, disse:

— Você vai lá conhecer.

Ela mexeu um pouco a cabeça, os lábios trancados, pois queria dizer outra coisa. Mas balançou a cabeça afirmativamente. Sim, iria. A pressão das mãos dele na cabeça dela cedeu e ela respirou forte, piscando os olhos. Ele bebeu mais da pinga com mel e ela aproveitou para virar bastante o rosto, observando a turma do pagode, lá na outra mesa, pagodando com todo vigor uma história de feijoada em que entravam orelha e rabo de porco, panela, farinha e pimenta. Ela riu um pouco escancaradamente mas arrependeu-se logo depois, quando se lembrou de que deveria levar tudo muito a sério. Então olhou para ele.

Ele aproximou o rosto demais, quase tocando no dela, e subitamente enfiou os dedos indicadores nos ouvidos dela. Puxou assim o rosto dela para junto do seu e queria morder-lhe os lábios, as maçãs do rosto, os olhos.

Ela mordeu com força o lábio superior dele e ele, magoado, retrocedeu. Bebeu mais. E abaixou a cabeça, entristecido. Ela sorriu por dentro, mas logo depois arrependeu-se. Por que não podia ser sincera com ele? Observou a força bruta que parecia saltar dos músculos do braço do homem à sua frente. E perdoou-se a si mesma. A cabeça dele, porém, era frágil, cheia de sonhos, inocência. Ela sentia-se uma víbora. Quis abraçá-lo. Mas já era tarde.

— Vamos – decidiu ele, numa voz seca.

Levantaram-se e, quem sabe decepcionados consigo mesmos, iniciaram a caminhada para o nada.

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