Isabel Pires
Uma flor.
Eu a vejo impregnada por todos os cantos: no armário
antigo, no cofre-forte, no quadro onde há um pedaço de mar e um barco e uma
casa. E nuvens pesadas ameaçando chuva. Talvez sejam elas, as nuvens do quadro,
que deem este aspecto meio sombrio ao ambiente. Ou será ela, a flor?
Tudo burocraticamente irrevolvível.
Até as plantas, naturais, parecem de plástico, na
sua imobilidade severa.
Um certo desleixo, entretanto, marca a sua ausência:
uma cadeira meio fora do lugar.
Embora seja apenas uma flor, é daquelas vistosas,
repolhudas. Uma rosa? Talvez. Muito viço, é certo. E ainda algum frescor. Tão séria,
que seu rosto é isento de rugas e traços mais definidos. Uma máscara de lábios
carnudos discretamente pintados. Uma máscara que não se move, não se crispa nem
se contrai em lágrimas ou risos.
Mas possui defesas. Sim. Não pisem nos seus calos,
que ela reage de imediato, como uma rosa indefesa se protege com seus espinhos
diante de alguma ameaça.
Sim, uma rosa extremamente vistosa, cercada de
espinhos, ilhada no seu próprio encanto e na sua própria solidão.
Embora ausente, é como se marcasse o ambiente com
seu perfume impossível de se dissolver no ar, já impregnado e fixado nos velhos
móveis, nos tapetes, nos papéis amarelecidos, nas cortinas empoeiradas.
O perfume de uma rosa vistosa, encantadora, solitária
com seus espinhos.
Alguma coisa antiga vem de sua essência. É então que
percebemos externada nos delicados aros dourados dos óculos de miopia. Uma rosa
dourada? Talvez, amarela.
A imagem completa: uma rosa amarela, de um perfume
antigo de rosa amarela, vistosa e cercada de espinhos por todos os lados. Mas ainda
uma flor...
Embora rosa, e embora cheia de defesas com seus
espinhos, e embora com perfume de rosa amarela – tão marcante e tão discreto –
e embora tão vistosa...
Apenas uma flor.
— As flores são perecíveis, exceto as flores de
plástico.
Não. Ao contrário das plantas naturais que aparentam
ser de plástico, ela, a flor, não poderia nunca ser confundida com uma flor de
plástico, que embora sem valor algum permanece... Não morre.
Os dentes morderam de leve os lábios carnudos, único
movimento perceptível naquela máscara. Como se se revoltassem contra aquele
estado de coisas, impossível de ser mudado.
Pois como podiam flores naturais transmutarem-se em flores
de plástico? Havia que se apelar talvez para uma feiticeira? Como na história
da sereiazinha que queria virar uma mulher comum e possuir duas pernas, em
lugar de um rabo de sereia, para conquistar seu príncipe...
Uma mulher comum?
Preferiria a morte.
E era, na verdade, tudo o que definia seu estado puro de pura flor efêmera, cujo frescor se evadia a cada minuto – a conformação diante da própria morte, pois mesmo que a soubesse fatal, não havia ainda a rosa, o viço, o perfume?
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