Uma continuação do
conto “Venha ver o pôr-do-sol”, de Lygia Fagundes Telles.
Isabel Pires
O zumbido era ensurdecedor, rodopiando dentro de suas têmporas. Aos
poucos, foi abrindo os olhos, e se deparou com aquela escuridão gelada e
constante, rompida por um tênue fio de luz que penetrava pela rachadura da
porta, lá em cima. Manhã? Tarde? Não saberia dizer. Tentou consultar o delicado
relógio de pulso folheado a ouro, e ficou na mesma. Com toda aquela claridade,
os ponteiros se confundiam, ficavam do mesmo tamanho e se embaralhavam,
marcando horas fantasmagóricas. Para quê, afinal, precisava saber das horas?,
refletia, consciente da sua condição de enterrada-viva. Mas não queria pensar.
Sua cabeça doía, latejando uma dor lancinante, e isso era tudo. A garganta
também doía, dilacerada, brasa viva dentro do seu corpo.
— Miserável! – o som rouco e quase inaudível de sua voz parecia rolar sem
forças pelo ar rarefeito, ecoando tropegamente pelas partículas de poeira que
infestavam o cubículo.
— Ele me paga! – me paaaaga, meeeee pagaaaaa – o som parecia se esbater pelos
cantos e retornar, esfarrapado, espectro de si mesmo, assustando-a mais.
Vasculhou mais uma vez a bolsa, à procura do celular, em vão. Evidentemente,
ele o havia retirado de lá, num momento de distração. Falha imperdoável. Como
fora deixar se impressionar por velhos túmulos rachados e anjos de pedra
decapitados? Que vacilo. Sem dúvida, fora imprudente ao extremo. Não podia se
perdoar. Mordia os lábios, desesperadamente, constatando a sua demência. Sim,
fora completamente idiota. Então não sabia que não podia confiar nele? Seu
estômago também doía terrivelmente. Fumara todos os cigarros que haviam
restado. E agora?
Deixou a cabeça pender, recostada à parede fria, os braços inermes ao comprido
do corpo. Por um momento, sentiu-se, de fato, morta, e imaginava-se cinzenta e
imóvel, dura e fria, perfeitamente integrada ao quadrilátero mortífero,
envolvida pelos miasmas fétidos que se desprendiam vagarosamente da pedra das
gavetas dos mortos em desintegração. Também ela desintegrando-se lentamente.
Mas a dor espalhada pelo corpo pulsava quente, inquieta, anunciando-lhe
misteriosamente que ainda vivia.
Ouviu um ruído repentino, longínquo. Ficou atenta.
— Ricardo? – ousou pronunciar o nome dele, um jato quente subitamente bombeando
um sangue renovado em suas veias. Elas pulsavam, parecendo querer saltar. Sim,
estava viva.
Aos poucos, conseguiu identificar o ruído: pareciam fracos pingos de chuva,
tamborilando longe, em algum lugar lá fora. Fechou os olhos, apurando bem o
ouvido. Porém, mais que o barulho fraco da chuva, que chegava dilacerado lá de
fora, o cheiro vivo de terra molhada penetrava ardente e forte em suas narinas,
poderoso, invadindo-a toda. Sim, estava viva.
Ela riu, histérica, uma risada descompassada e idiota, risada de quem já havia
ultrapassado, de há muito, o precipício do desespero. Não, estava morta. E
visualizou seu próprio esqueleto, metido nos farrapos da roupa que um dia fora
elegante, sufocado junto com os restos da pequena capela pela fúria violenta da
vida, as plantas se enroscando pelas paredes externas, disputando espaço,
abafando as cores esmaecidas da morte com seu verde de vida. Via com terror um
tufo de cabelos displicentemente caído ao lado do crânio a descoberto e,
ridiculamente, o relógio de ouro, circundando com folga o pulso de osso. Ainda
marcaria, implacavelmente, as horas?
Não, não estava morta, parecia ouvir dentro de si. Seu coração batendo
angustiado dentro do peito, descompassado embora, mas vivo. Esmurrou com força
as paredes, apenas para aquecer o sangue congelado nas veias, a pele fina mal
recobrindo o sentimento de revolta em seus pulsos cerrados. Também eles doíam
agora. Isso era, de algum modo, bom. Pela dor, podia sentir que ainda existia.
Sentia que devia agarrar-se a este fio de esperança, ainda que fosse
simplesmente para morrer no instante seguinte. Morta-viva, viva e morta, apenas
isso.
***
Nenhum comentário:
Postar um comentário