Isabel Pires
A
jovem mulher acordou no meio da noite. Olhou o marido profundamente adormecido,
levantou-se e vestiu o penhoar. Foi até a cozinha, colocou água para o café no
fogo, deixou preparado um lanche sobre a mesinha e pegou no bolso do penhoar o
telefone celular.
Abriu
o aparelho, trocando de chip, e digitou um número. No quarto, o celular do
marido, descansando no criado mudo, tocou. O jovem, ainda meio adormecido,
consultou o número na tela: “Desconhecido”. Quem seria àquela hora? Pensou em
não atender, mas podia ser alguma coisa muito urgente. Atendeu com voz
sonolenta.
—
Alô?!
Não
ouviu nenhuma resposta. Perguntou quem era. Silêncio do outro lado.
Subitamente, desligaram. O jovem então pulou da cama num ímpeto e atravessou
como um raio o quarto.
Na
cozinha, a jovem aguardava a fervura da água no fogo. Viu o marido atravessar o
corredor em passos rápidos, e um leve sorriso passo-lhe pelos lábios – fora
mais rápida que ele. O marido entrou na cozinha.
—
O que você está fazendo?!
—
Café. Acordei com uma fome... – respondeu tranquilamente a jovem. Olhou para o
marido – Ouvi o seu telefone tocar. Quem era?
—
Engano.
—
O quê?! Ligam a uma hora dessas e é engano? Incrível! – disse, e desviou o
olhar para a água no fogo.
—
E quem você queria que fosse? – questionou o marido, entre cauteloso e
desconfiado.
—
Sei lá. Numa hora dessas, deveria ser alguma coisa importante, não acha? –
olhou de soslaio.
—
Acho – disse o marido.
A
jovem derramou a água fervente sobre o pó de café no coador de papel.
—
Era homem ou mulher?
— Hã?!
—
No telefone. Era homem ou mulher?
—
Não sei.
A
jovem encarou o marido. Fez uma cara risonha.
—
Que sono, hein! Não sabe nem se era homem ou mulher no telefone...
O
rapaz examinava atentamente a jovem coando o café sentaram-se na mesinha, a
jovem de costas para a porta. Serviu-se de café e voltou o olhar para o rapaz à
sua frente. No rosto do marido estampava-se uma expressão alerta.
—
Cadê o seu celular? – perguntou ele, enfático.
O
coração da jovem mulher disparou. Não contava com aquela pergunta inesperada.
—
Está aqui. Por quê? – quis saber ela, retirando do bolso do penhoar o aparelho.
O
marido engoliu devagar o café. A mulher colocou o telefone sobre a mesa. Pegou
uma torrada. Suas mãos tremiam de leve. Sentia o olhar do marido em suas mãos.
—
O que foi? – perguntou, um tom imperceptivelmente trêmulo na voz.
—
Nada, disse ele. Me empresta? – e pegou o celular da mulher.
—
O quê?! – disse ela, entre surpresa e alerta.
—
Calma, vou só testar o meu celular – e ligou para si próprio, levantando-se da
mesa e indo em direção ao quarto. Voltou com o seu celular na mão. Na tela, o
nome da mulher vibrava.
—
Não vai atender? – perguntou ela tranquilamente, com voz firme, dando uma risadinha.
Embora as mãos continuassem ligeiramente trêmulas.
O
marido desligou o telefone da mulher e o devolveu. A mulher pegou o aparelho e
guardou-o de volta no bolso do penhoar.
—
Por que você trouxe o celular para a cozinha?
—
Para ligar para você, meu amor... – disse ela com expressão brincalhona – Na
verdade, já estava no bolso do roupão, quando o vesti – contou, e era tudo absolutamente
verdade.
Pegou
mais uma torrada, ainda com as mãos um pouco trêmulas. O jovem fixou o olhar
nas mãos da esposa passando margarina na torrada. De repente, tomou-lhe uma das
mãos. A faca tombou sobre a mesa.
—
Nossa, que mão mais gelada! – comentou ele. O tom era brando, suave.
—
Essas minhas mãos, estão sempre geladas!
Ela
retirou de leve a mão de entre as mãos do marido e envolveu com ela a xícara de
café, para aquecê-la.
—
Eu devia usar luvas de lã, daquelas bem grossas, sabe... Mas é que tenho
alergia. Minhas mãos ficam empoladas, cheias de carocinhos vermelhos. Fica
parecendo pipoca. E arde.
O
marido tomou entre as suas as mãos da esposa e aqueceu-as num beijo. Sorria.
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