sábado, 22 de outubro de 2022

As luvas grossas de lã

 

Isabel Pires 

A jovem mulher acordou no meio da noite. Olhou o marido profundamente adormecido, levantou-se e vestiu o penhoar. Foi até a cozinha, colocou água para o café no fogo, deixou preparado um lanche sobre a mesinha e pegou no bolso do penhoar o telefone celular.

Abriu o aparelho, trocando de chip, e digitou um número. No quarto, o celular do marido, descansando no criado mudo, tocou. O jovem, ainda meio adormecido, consultou o número na tela: “Desconhecido”. Quem seria àquela hora? Pensou em não atender, mas podia ser alguma coisa muito urgente. Atendeu com voz sonolenta.

— Alô?!

Não ouviu nenhuma resposta. Perguntou quem era. Silêncio do outro lado. Subitamente, desligaram. O jovem então pulou da cama num ímpeto e atravessou como um raio o quarto.

Na cozinha, a jovem aguardava a fervura da água no fogo. Viu o marido atravessar o corredor em passos rápidos, e um leve sorriso passo-lhe pelos lábios – fora mais rápida que ele. O marido entrou na cozinha.

— O que você está fazendo?!

— Café. Acordei com uma fome... – respondeu tranquilamente a jovem. Olhou para o marido – Ouvi o seu telefone tocar. Quem era?

— Engano.

— O quê?! Ligam a uma hora dessas e é engano? Incrível! – disse, e desviou o olhar para a água no fogo.

— E quem você queria que fosse? – questionou o marido, entre cauteloso e desconfiado.

— Sei lá. Numa hora dessas, deveria ser alguma coisa importante, não acha? – olhou de soslaio.

— Acho – disse o marido.

A jovem derramou a água fervente sobre o pó de café no coador de papel.

— Era homem ou mulher?

— Hã?!

— No telefone. Era homem ou mulher?

— Não sei.

A jovem encarou o marido. Fez uma cara risonha.

— Que sono, hein! Não sabe nem se era homem ou mulher no telefone...

O rapaz examinava atentamente a jovem coando o café sentaram-se na mesinha, a jovem de costas para a porta. Serviu-se de café e voltou o olhar para o rapaz à sua frente. No rosto do marido estampava-se uma expressão alerta.

— Cadê o seu celular? – perguntou ele, enfático.

O coração da jovem mulher disparou. Não contava com aquela pergunta inesperada.

— Está aqui. Por quê? – quis saber ela, retirando do bolso do penhoar o aparelho.

O marido engoliu devagar o café. A mulher colocou o telefone sobre a mesa. Pegou uma torrada. Suas mãos tremiam de leve. Sentia o olhar do marido em suas mãos.

— O que foi? – perguntou, um tom imperceptivelmente trêmulo na voz.

— Nada, disse ele. Me empresta? – e pegou o celular da mulher.

— O quê?! – disse ela, entre surpresa e alerta.

— Calma, vou só testar o meu celular – e ligou para si próprio, levantando-se da mesa e indo em direção ao quarto. Voltou com o seu celular na mão. Na tela, o nome da mulher vibrava.

— Não vai atender? – perguntou ela tranquilamente, com voz firme, dando uma risadinha. Embora as mãos continuassem ligeiramente trêmulas.

O marido desligou o telefone da mulher e o devolveu. A mulher pegou o aparelho e guardou-o de volta no bolso do penhoar.

— Por que você trouxe o celular para a cozinha?

— Para ligar para você, meu amor... – disse ela com expressão brincalhona – Na verdade, já estava no bolso do roupão, quando o vesti – contou, e era tudo absolutamente verdade.

Pegou mais uma torrada, ainda com as mãos um pouco trêmulas. O jovem fixou o olhar nas mãos da esposa passando margarina na torrada. De repente, tomou-lhe uma das mãos. A faca tombou sobre a mesa.

— Nossa, que mão mais gelada! – comentou ele. O tom era brando, suave.

— Essas minhas mãos, estão sempre geladas!

Ela retirou de leve a mão de entre as mãos do marido e envolveu com ela a xícara de café, para aquecê-la.

— Eu devia usar luvas de lã, daquelas bem grossas, sabe... Mas é que tenho alergia. Minhas mãos ficam empoladas, cheias de carocinhos vermelhos. Fica parecendo pipoca. E arde.

O marido tomou entre as suas as mãos da esposa e aqueceu-as num beijo. Sorria.

 

***

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