Isabel Pires
O marido, aposentado,
continuava sentado muito quieto na cadeira de vime, na varanda da casa, entre
vasos de plantas e a rede à sua frente. Lia tranquilo as principais notícias do
dia, no tablet que o filho lhe dera
de presente de dia dos pais. De vez em quando, mastigava furtivo um biscoito
de água-e-sal. Sua mulher, por sua vez, movimentava-se impaciente pela casa,
abrindo e fechando portas com estrondo, à exceção da porta da cozinha, que
permanecia cerrada.
—
Absurdo!, dizia ela. Quase quatro da tarde, e nada de almoço! Estou morrendo de
fome! Se não comer logo, vou ter um troço!
O
marido chamou-a, pigarreando antes o catarro preso na garganta, efeito do
cigarro que fumara por mais de trinta anos:
—
Dulce! – queria talvez oferecer à mulher um dos seus biscoitos de água-e-sal,
mas Dulce dirigiu-se à porta trancada da cozinha e bateu de leve, a boca
encostada no portal, quase suplicando:
—
Abram, por favor! Quero entrar só um pouquinho! – E alteando a voz: Abre isso!
Ouviu
uma das cozinheiras:
—
Espera só mais um pouco, dona Dulce. O almoço já está quase pronto. Falta só
terminar a farofa.
— Farofa... – gemeu baixinho dona Dulce, a boca já salivando. Farofa de quê? – E mais alto: Terminem isso, já são quatro horas. Vou acabar desmaiando de fome!
Outra
voz, autoritária, ressoou lá de dentro:
—
Não adianta, dona Dulce. São três e vinte ainda. Às três e meia, o almoço vai
para a mesa. Pode esperar um pouco.
Dona
Dulce deu um violento soco na porta. Atravessou o corredor e trancou-se no
quarto. Sentou-se na cama, com as pernas dobradas, os lábios se apertando de
raiva.
Pouco
depois ouviu os rumores dos passos cautelosos das duas cozinheiras, que iam e
viam da copa para cozinha, pondo a mesa para o almoço do casal. Os ruídos dos
talheres e pratos chegavam ao quarto, junto com o aroma da comida. A mulher
sentada na cama levantou-se, foi até a penteadeira, e se pôs a escovar
freneticamente os cabelos. Olhou-se demoradamente no espelho e, mais calma,
deixou o quarto.
Na
sala de jantar, as duas mulheres em volta da mesa se riam e conversavam
alegremente, contentes talvez com o resultado do seu trabalho, disposto nas
travessas sobre a mesa: lombo de porco assado, arroz colorido, salada de maionese,
farofa de banana da terra. Ainda tinha a sobremesa: pudim de leite com calda
caramelizada!
A
mais velha das duas mulheres voltou-se para dona Dulce, parada no limiar da
porta:
—
Tá vendo, dona Dulce? Não precisava tanta pressa. O almoço já está servido.
Dona Dulce girou sobre si mesma e voltou a se trancar no quarto. O marido, que entrava naquele exato instante, atravessou a sala de jantar, balançando a cabeça. Bateu delicada, mas firmemente, na porta do quarto.
—
Abre, Dulce, vem almoçar. Deixa de bobagem. Você não estava morrendo de fome? Então?
Nada.
Mais batidas, mais súplicas. Silêncio no quarto. As duas mulheres aguardavam de
pé diante da mesa.
—
E agora, seu Valter? O que fazemos?
Seu
Valter – era o nome do marido – olhou-as e, com um gesto, mandou que se
retirassem.
Na
mesa, o lombo de porco com farofa esfriava, a maionese de legumes esquentava. Depois
de mais algumas insistências junto à porta do quarto, seu Valter desistiu. Sentou-se
à mesa e começou a servir-se. Nesse instante, a porta do quarto abriu-se e
surgiu o rosto lívido de dona Dulce. Atravessou solenemente a sala de jantar. Sentou-se
à mesa, sem olhar para os lados. Contemplou um instante as travessas repletas
e, então, atacou vorazmente a comida. Sua fome parecia insaciável. Empanturrava-se
de uma coisa, de outra, devorando tudo inteiro.
Findo
o almoço, seu Valter foi se balançar na rede da varanda, ainda lambendo a calda
de caramelo do pudim, que escorria pelos seus beiços. Dispensara o cafezinho. Dona
Dulce trancou-se no quarto e, meia hora depois, pedia um sal de frutas.
A
cozinheira mais nova entrou no quarto com o copo na mão. Espichada na cama,
dona Dulce contorcia-se toda, apertando o estômago. Gemia.
—
Bebe isso aqui, dona Dulce. Não fica assim não, fica calma.
Dona
Dulce pegou o copo borbulhante de sal de frutas e tomou tudo, de um só gole.
—
Ai, ai, estou passando muito mal. Chama a Luzia.
Luzia,
a cozinheira mais velha, enfiou a cara dentro do quarto de dona Dulce:
—
Estou aqui, dona Dulce.
—
Ai, Luzia, se eu piorar, me faz um chá? Bem quente e forte, com pouco açúcar,
viu? – Seu olhar era suplicante.
—
Tá bem dona Dulce. Vou fazer um chá de camomila, então. Que é para acalmar.
Chamou
a outra:
—
Vem, vamos arrumar logo a cozinha. Tem muito serviço pra fazer.
As
duas saíram do quarto. A mulher deitada continuou gemendo, agora baixinho. Instantes
depois, pulou da cama, tremendo, pálida. Apertava a boca com uma mão. Com a
outra, agarrou o trinco da porta. Mas não chegou a sair do quarto. Vomitou todo
o almoço na soleira da porta.
As
cozinheiras acudiram, prestimosas. Limparam tudo, deitaram a patroa na cama,
deram-lhe um comprimido e ataram-lhe à cabeça uma compressa de água fria. Uma hora
depois, entraram no quarto carregando uma bandeja de chá. Acordaram a mulher.
—
Senta, dona Dulce. Bebe este chazinho aqui. Olha, tem torrada. E aquela broa
que a senhora gosta. Como tudo!
E,
diante dos fracos protestos da doente, retrucaram:
—
A senhora precisa se alimentar, dona Dulce. Imagina, ficar assim com o estômago
vazio. Faz mal. Se a senhora não se alimentar, vai ficar fraca.
—
Verdade, disse a mais nova. Pode até adoecer!
Na varanda, o marido de dona Dulce palitava os dentes, balançando-se de leve na rede, sentindo no rosto a brisa fresca do final de tarde. Em pouco, adormecia.
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