segunda-feira, 24 de outubro de 2022

O bebê de Vera Lúcia

 Isabel Pires

Chama-se Vera Lúcia. Tem uma grande barriga e pernas fininhas e braços também e cinco anos incompletos de idade. E tem uma mãe que tem dez filhos e um olho cego.

— Eu tenho um nenê.

— É?!

— Você já viu ele?

Outro dia ela fez um belo desenho. Representava uma barata gigantesca tendo filhotes. E outro desenho ainda: “patinhos dentro de um homem”.

— Você sabe onde eu moro?

— Hã-hã.

— Hoje é meu aniversário.

— É?!

Todo dia era seu aniversário, mas infinitamente ela nunca ultrapassava os cinco anos incompletos de idade. E tinha um nenê.

— Você já viu ele?

— Quem?

— O meu nenê.

O bebê sempre vinha no colo da mãe.

— Mas é meu. Minha mãe teve ele pra mim – ela afirmava, balançando a cabeça e sacudindo decidida o fio fino do queixo.

A barriga dela, grande, aumentava de tamanho depois da sopa.

— Quero mais.

Raspava o fundo do prato, buscando a última gota.

— Quer mais?

Balançava a cabeça e os pés, suspensos sob o vão da cadeira. O segundo prato vinha, fumegante.

— Quer mais?!

No pátio, a barriga crescida, ela sentava no banco de cimento, as perninhas cruzadas. Súbito:

— Quero ir ao banheiro.

— Já?!

A mãe vinha, o bebê no colo, o olho velado procurando a menina entre as outras crianças.

— Vam’bora Verinha.

Verinha batia palmas, dando risadinhas saltitantes.

— Olha lá meu nenê. Tá no colo da minha mãe, mas é meu!

 

***

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