Isabel Pires
—
Eu tenho um pet! – anunciou a mulher entrando no salão repleto. Era uma festa. Uma
festa de réveillon. Alguns convivas voltaram-se e examinaram sem muito
interesse a recém-chegada.
A
mulher, com gestos melífluos, exibia no dedo anular um solitário enorme.
—
É verdade – insistiu. – Tenho um pet, sabe? Um pequinês. Ele me segue por toda
parte. Vou ao mercado, lá vai ele abanando o rabinho. Vou ao
shopping, ele vai junto. Vou ao banco, ele também vai. Vou a uma festa...
—
O seu pet também veio? – interrompeu um homem que, com lentos movimentos
circulares, mexia com o dedo o gelo no copo de uísque.
—
No começo, sabe? – prosseguiu a mulher, sem ligar para a interrupção – era bom.
Eu o exibia a todo mundo. Mas depois foi ficando cansativo. Um pet cansa –
declarou, tomando um largo gole do copo que segurava. Fez uma careta – Bebida
horrível! Garçom! – chamou, saindo da sala.
—
Ué, pensei que ela morasse em apartamento – comentou um rapaz para a namorada.
—
E daí? – retrucou ela – Muita gente cria cachorro em apartamento, não sabia?
Ainda mais ela, que mora em uma puta cobertura... – e rindo empurrou o rapaz
para a pista de dança onde vários braços já se acotovelavam ao som da música
eletrônica.
—
Vamos dançar? – perguntou o homem de copo de uísque na mão, dirigindo-se a uma
moça recostada a uma janela.
—
Desculpe, mas não posso. Estou com o pé machucado – E a moça, discretamente,
deixou o pé esquerdo à mostra, onde podia-se ver um pedaço de esparadrapo
ocultando um pequenino corte.
—
Ah!, que pena! – lamentou o homem, bebendo um gole curto do uísque – Você
conhece aquele cara ali? – perguntou ele, observando o olhar da moça em direção
a um jovem sentado a um canto, de cabeça baixa, parecendo totalmente alheio a
tudo.
—
Não. – A moça desviou o olhar – Desculpe mesmo, mas hoje não estou em clima de
festa. Vou tomar ar. – E saiu em direção ao jardim.
O
homem, ainda segurando o copo de uísque, dirigiu-se a um dos sofás e entabulou
conversa com uma loura sorridentíssima que, decididamente, estava em clima de
festa.
O
rapaz, encolhido a um canto, tomou o último gole da sua vodca e, enfiando a mão
na vasta cabeleira escura e cheia de anéis, desgrenhou-a, sacudindo os cachos. Pediu
uma nova dose ao garçom que passava com a bandeja de copos e garrafas, e ficou
mastigando, sem grande interesse, um tira-gosto qualquer.
A
festa prosseguia, impelida pela súbita animação que se instalou. Contagem regressiva
para o ano que se despedia. Contagem progressiva para a entrada do ano novo?
Dez, nove, oito... Lá fora, os fogos de artifício espoucavam nos céus. As
mulheres gritavam freneticamente. Alguns homens bebiam champanha no gargalo da
garrafa. Os garçons, finalmente também eles, bêbados e sonolentos,
distribuíam-se nos sofás, pelas almofadas no chão, no tapete.
No
canto da sala permanecia, imutável, o rapaz de vasta cabeleira encaracolada,
digerindo mais uma dose, servindo-se, agora ele próprio, da garrafa de vodca ao
seu alcance.
Pela
manhã, não havia mais ninguém, nem no salão, nem no jardim. Mas os vestígios da
festa de réveillon eram visíveis por todos os lados, nítidos. Garrafas
quebradas, copos espalhados, manchas nos estofados, buracos de cigarros nas
cortinas, farelos pelos tapetes. E cobrindo tudo, compridas fitas de
serpentinas coloridas.
Ao
limpar a casa, uma das faxineiras encontrou, num dos cantos da sala, uma
minúscula coleira de outro, cravejada de diamantes, com um nome de homem
gravado no lado interno do delicado objeto.
***
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