Isabel Pires
Veio se aproximando em
passos não ouvidos. Sem pressa, sem forma. Um homem? Uma mulher? Andrógino. O
rosto não denunciava nada. Nem traços rudes em excesso, nem suaves em excesso.
Um rosto, apenas. Anunciou, sem ninguém perguntar: “Estou aqui”. A voz era uma
voz apenas para ser ouvida e entendida. De homem? De mulher? Impossível saber.
Mas naquele instante
era o centro das atenções. Na sala de espera, todos olhavam em sua direção. O
homem severo, de terno e pasta de executivo, lendo uma revista especializada em
algum assunto econômico, suspendeu por instantes a vista do artigo. Também a
jovem mulher, de blush lilás, unhas lilases, lábios e roupas lilases, observava
a cena com olhos envoltos em sombra lilás. Uma outra jovem, cabelos desalinhados
e jeans desbotados, também observava, atenta. E até um moço de barba rala e
cabelos engordurados olhava tudo através das lentes embaçadas dos óculos de
miopia. O desconhecido era o centro de todas as curiosidades.
Todos ouviram e todos
entenderam: “Estou aqui”. Mas ninguém compreendeu. E como não compreenderam, desinteressaram-se
por completo. O homem-cinza voltou à Economia. A mulher-lilás pegou o celular
para ligar para alguma amiga, confirmando o shopping. A jovem-jeans voltou a
ficar o tempo todo consultando o relógio pendurado na parede em frente,
querendo saber todas as horas. O rapaz de cabelo ensebado voltou à apatia
anterior, tirando e botando os óculos sujos. Tentavam assim ignorar aquela
presença obstinada que, mesmo emudecida, incomodava.
O recém-chegado finalmente
sentou-se, como os outros. Entre os quatro. Disfarçadamente, cada um procurava
ver seu rosto nem rude nem suave. Quem seria? Conjeturavam, cada um consigo
mesmo, sobre aquele que chegara se anunciando sem se anunciar, porém. “Estou
aqui”. Ele (ou ela) apenas esperava, calmamente. Os outros se esqueceram de
esperar. O quê mesmo estavam esperando? Queriam agora apenas saber quem era aquele
que sentou-se entre eles, anunciando para todos: “Estou aqui”. Como se todos
tivessem obrigação de saber quem estava ali. E porquê.
Os dois homens e as
duas mulheres fitavam o desconhecido, sem mais esconderem a curiosidade. Mas
ele não fitava ninguém, nem nada. Apenas existia, independentemente daqueles
olhares fixos, cravados em seu ser. Passaram-se séculos, e todos continuavam
fitando-o que, imperturbável, continuava existindo para perturbá-los.
A mulher de roupa lilás
apertou o celular entre os dedos, e o aparelho esfarelou-se, mudamente. Abriu a
bolsa, ainda lilás, retirou o estojo de maquiagem e retocou o rosto
completamente desbotado. Depois, voltou a fitar o estranho, sem cansaço e mesmo
sem mais curiosidade. O homem-cinza, ainda mais cinzento, há algumas décadas já
abandonara a revista especializada em assuntos econômicos, que agora se tornara
obsoleta e fora de contexto. Fitava-o, simplesmente. A jovem de jeans também o
fitava, esquecida de consultar o relógio. Mesmo não iria adiantar muita coisa –
o relógio não marcava mais tempo nenhum, há muito tempo enferrujado. Parado. E
o jovem apático, de cachos engordurados, atravessou os séculos fitando o
desconhecido apaticamente. De século em século, seus óculos escorregavam até a
ponta do nariz, e ele então levantava letargicamente um dos braços e empurrava os
óculos mais para cima, para melhor fitá-lo. Mas isto era de século em século.
E já eram muitos os
séculos. Apesar disso, ninguém tinha conseguido decifrar nada a respeito do
companheiro de espera. Homem? Mulher? Impossível definir. E então, súbito,
rompendo os séculos e recompondo o universo, não era mais necessário esperar. A
longa espera tornou-se supérflua por um motivo burocrático banal: o expediente
encerrara-se.
O homem de terno cinza,
resignadamente, guardou na pasta de executivo a revista de economia. A mulher
de lilás, trivialmente, ajeitou os cabelos. A jovem de jeans, oportunamente,
deu corda no relógio. O jovem apático, apaticamente, retirou um lenço encardido
do bolso para limpar as lentes dos óculos. Ele (ou ela) levantou-se como havia
se sentado: sem ruídos, sem gestos, sem disfarces.
Lá fora, o pôr do sol
fazia um final de tarde alongado e vermelho. Ninguém mais reparava naquele que
havia sido uma presença incômoda, cada um concentrado em si mesmo. O homem do
terno cinza entrou no seu carro grande, cinza metálico. A mulher toda lilás
dirigiu-se ao seu carrinho moderno e confortável. A jovem de jeans e cabelos
revoltos pediu-lhe uma carona, na gíria em voga. Estavam indo para o mesmo
lado, mesmo. O moço apático, agora apenas um cabeludo e nem tanto apático,
montou na sua moto, agilmente. O Outro caminhou até um ponto de ônibus próximo
e ficou esperando a condução.
O ônibus surgiu lá no
fim da rua no momento em que os dois carros e a moto estavam parados no
cruzamento. E enquanto ele (ou ela) entrava no ônibus, a moto e os carros
dispararam, competindo entre si, deixando para trás o ônibus lotado.
E de repente, no final perpendicular de tarde, todos souberam enfim não ser mais necessário saber quem era aquele sujeito enigmático viajando anonimamente num ônibus enfumaçado num final de tarde.
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