Isabel
Pires
Seu
nome era Carlos Eduardo. Mas somente para a professora do quarto ano. Para a molecada
da rua era:
— Duda, traz a bola!
E Duda, nove anos incompletos de
idade, disparava rua afora com a bola debaixo do braço, pois ele não sabia
jogar bola. Se soubesse, levaria a bola chutando-a desde o quarto, que nem o
Neco da dona Marta que, num desses ímpetos de grande jogador, acabou estilhaçando
o vidro da janela da sala de casa. Dona Marta danou. E contou pro marido, que
deu uma sova no Neco e fez a bola em tiras, com a faca de carne bem afiada.
Duda era muito cuidadoso. Morria de
medo de quebrar o vaso chinês de dona Alzira – “Chinês!”, dizia ela, orgulhosa –,
que nem sua mãe era, feito dona Marta era mãe do Neco. Dona Alzira era sua madrasta,
mas era uma “boadrasta”, e vivia dizendo para as vizinhas:
— O Duda é um menino muito
bonzinho! Não dá um pingo de trabalho!
E acrescentava:
— Não é que nem esses moleques
atrevidos, que pulam o muro do quintal dos outros para apanhar fruta sem pedir
licença! Duda, não! Duda é um menino de ouro!
Mesmo assim, apesar de tantos
elogios, Duda tinha um cuidado danado ao passar pela sala de dona Alzira, a
bola bem segura debaixo do braço.
Duda entregava a bola para os
outros meninos e se sentava no meio-fio da calçada, gritando muito quando o Neco
fazia uma daquelas brilhantes defesas. Porque o Neco, apesar de ter complexos
de artilheiro, era sempre escalado como goleiro.
— Duda, vem jogar – chamava Neco.
Mas Duda não queria jogar bola. A
paixão de Duda era mesmo papagaio. Dia de muito vento, lá estava ele, soltando
seu papagaio feito cuidadosamente de papel de seda azul-claro.
— Mas, meu filho, assim ninguém
vai ver o papagaio – dizia dona Alzira que, embora fosse apenas sua madrasta,
insistia em chamá-lo de filho a toda hora: “Meu filho, já escovou os dentes?”. “Vem
papá, filhinho”. “Já fez os exercícios, filho?”.
Duda já tinha feito os exercícios
da escola, sim, e agora lá estava ele, todo feliz, soltando seu papagaio
azul-claro, num céu mais azul-claro ainda.
— Basta saber que ele tá lá, meu
papagaio tão azulzinho.
Num dia de muito vento e muito
sol, lá estava Duda empinando seu papagaio azul-claro, num céu também claro,
com a camisa azul – mas da cor dos seus olhos, azuis escuros – aberta no peito
queimado de sol. O papagaio subia cada vez mais alto, fazendo o entusiasmo de
Duda crescer.
— Mas como esse menino sabe onde
está o papagaio? – comentava uma vizinha, apertando os olhos para o azul do céu.
De repente, o papagaio azul-claro
de Duda começou a perder altura. E foi caindo, caindo. Urgia fazer algo. A linha
era muita, e não adiantava enrolá-la, pois o papagaio – tão bonito que ficou
esse! – caía cada vez mais rápido. Numa tentativa de suster seu papagaio nas
alturas, Duda desceu a rua correndo, correndo, mais depressa, mais depressa. Ah!
Agora, sim! Seu papagaio não ia mais cair. Só mais um pouco.
— Corre! Corre! – gritava a
molecada da rua, que por um minuto parara a pelada para torcer por Duda.
Em seguida ficaram todos petrificados.
Primeiro, com o baque. E depois com a visão de Duda estendido no chão, a camisa
tão azul tingindo-se rapidamente de vermelho. O dono do carro, com as mãos na
cabeça, ao lado do corpo inerte do menino no chão.
— O quê que eu faço? Por favor,
me ajudem. Vocês viram, eu não tive culpa, tive?!
E lá no chão, bem ao lado da bola
que, de raiva, o Neco havia chutado longe, estava Duda, a camisa cada vez mais
empapada.
Lentamente, o papagaio azul-claro
veio descendo, agora vem visível de encontro ao casario, e pousou junto ao
corpo do menino. Podia-se ver uma das pontas do papagaio de papel tingida de
vermelho, quando tocou de leve na camisa azul.
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