Isabel Pires
Para todos os
cinemas que foram desativados ou demolidos pelo Brasil afora, e em especial
para o cine Metrópole, de Belo Horizonte.
Era um prédio antigo, de construção sólida, atarracada. No mármore
preto, lustroso, que revestia uma parte da fachada, eram afixados os cartazes
dos filmes. E seu letreiro ajudava a iluminar à noite a pequena praça de
canteiros floridos.
“Tragam
flores e o seu violão”. Os estudantes reunidos na praça pela preservação do
patrimônio cultural. Palavras de ordem saindo de bocas jovens. Rostos jovens e
bonitos. Esperança. Futuro. Levavam flores, levavam violões. Sorriam e cantavam.
Viviam. E queriam deixar viver. O cinema.
O
prédio, interditado, ganhou um ar sombrio, carrancudo. Os canteiros da praça já não eram mais
iluminados pelo imenso letreiro. Com o mármore preto à mostra, desnudo, o velho
prédio parecia desamparado, apesar das correntes que vedavam-lhe as entradas,
já protegidas por sólidas portas negras. Silencioso, recebia indiferente o
protesto dos estudantes que, irrequietos, cheios de vida, mal cabendo na praça,
protegiam-no ingenuamente, com flores e música, da iminente demolição.
Nuvens
de poeira subindo junto com buzinadas de carros. Aos poucos, aparecia o
esqueleto de cimento, os ferros tortuosos, os tijolos à mostra. Tijolos pardos,
da cor do tempo. Tempo pardo, parado, que não passava, estacionado na lenta
demolição do prédio antigo. Lenta tortura que o atrofiava, desfigurando-o. Hoje
não resta o mínimo vestígio da atrocidade. Houve ali, em algum tempo muito
antigo, algum cinema?
Sons
de violão vibravam no ar. E era bom e inebriante o adocicado cheiro das flores.
Subitamente, os sons se dispersaram, e as flores, murchas, jaziam pisoteadas no
meio da praça.
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