quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Rapsódia brasileira

                                                                                                                                     Isabel Pires

A diretora enfiou a cara na porta da sala e comunicou à professora, de pé, em frente à turminha:

— O Marciano está na Baleia.

A professora mesmo custou a entender. Depois, balançou a cabeça afirmativamente. Estava certo.

A turma, entre seis e sete anos de idade, nada entendeu. E uma garotinha, de olhos arregalados, perguntou:

— Tia, quê que teve com o Marciano?

A tia apenas repetiu:

— O Marciano está na Baleia.

— Na baleia??

A gurizada, contente com a mágica, começou a cantarolar:

— O Marciano está na baleia! O Marciano está na baleia!

A tia pegou lápis e papel e, rodeada pelas crianças, desenhou: uma baleia simpática, com seu tradicional espirro de água parecendo árvore e um olhar maroto de quem realmente entendia de engolir pessoas. Pois já não tinha a experiência do sabor do Jonas?

— Cadê o Marciano? – cobraram as crianças.

A tia pensou e resolveu: iria desenhar uma baleia esquemática, para que todos vissem o Marciano bem instalado no seu barrigão. Desenhou, pois, uma figurinha barriguda e de muitos dedos e de cabelo cacheadinho e de olhos assustados dentro da barriga da baleia. Era o Marciano.

— A baleia engoliu o Marciano? – perguntaram meio alarmados e meio surpresos vários garotos.

— Hum-hum – confirmou a tia, divertida com a ideia.

A criançada pulava e cantarolava:

— A baleia engoliu o Marciano! A baleia engoliu o Marciano!

Para eles, era baleia com “b” minúsculo mesmo, pois embora nunca tivessem visto uma baleia de verdade, conheciam a história do peixe enorme, engolidor de jonas desprevenidos. Somente a professora e a diretora sabiam: era Baleia com “B” maiúsculo.

Mas a turminha, inteirada da história de Jonas, cobrou:

— Tia, quando é que a baleia vai desengolir o Marciano?

— Ah! Só quando ela comer o dedinho dele, aí ele sai de dentro da barriga dela!

Para não restar dúvida de que a baleia “desengoliria” o Marciano, a tia voltou ao primeiro desenho: fez o Marciano sentado, em cima do espirro de água da baleia, com um sorriso no rosto e cinco dedos em cada mão e em cada pé.

A turma não cabia em si de contente. E na hora do lanche, quando foram comer, lembraram que também a baleia comeria – o quê? – os dedinhos excedentes dos pés e das mãos do Marciano. Cantarolavam ritmadamente, satisfeitos com a comida:

— A baleia engoliu o Marciano! A baleia engoliu o Marciano!

E depois:

— A baleia vai desengolir o Marciano! A baleia vai desengolir o Marciano!

Era, porém, proibido fazer bagunça na hora da merenda. E a diretora em pessoa veio impor silêncio aos pirralhos. Que história era aquela de baleia?

— Tia, a baleia engoliu o Marciano! – disse uma garotinha que ainda não sabia distinguir uma “tia” de uma diretora. – E – continuou ela – só vai desengolir quando comer os dedinhos dele.

A diretora entendeu tudo. Sem piedade, esclareceu a turma:

— Não, não é nada disso não. Baleia é um hospital que fica em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais. E o Marciano foi lá para operar as mãozinhas e os pés.

Saiu, abanando a cabeça, reprovando intimamente a professora. Mas esta, vingando-se, deu-lhe língua pelas costas e a turminha então estourou numa gostosa gargalhada. 

***

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